Recebimento do objeto na Nova Lei de Licitações e Contratos
Diferentemente do que ocorre na legislação civil comum, no caso de contratações públicas, a mera transferência da posse não significa a aceitação do objeto contratado pela Administração Pública. Torna-se necessário verificar certas formalidades toda vez que um objeto é entregue à Administração em cumprimento a um contrato.
Conforme artigo 140, §1º da Lei nº 14.133/2021, a Nova Lei de Licitações e Contratos, “O objeto do contrato poderá ser rejeitado, no todo ou em parte, quando estiver em desacordo com o contrato”. Isso significa que, se o objeto não atender às especificações do edital e do contrato, não deve ser aceito.
Cabe ao servidor ou comissão responsável solicitar o reparo, substituição ou complementação do objeto, determinando prazo nos termos do edital e seus anexos. Não ocorrendo a correção ou no caso de reiteradas condutas irregulares por parte da contratada, o fiscal deve rejeitar total ou parcialmente o objeto entregue, além de tomar providências quanto à abertura de processo sancionatório.
1) Recebimento provisório
A Lei nº 14.133/2021, em seu artigo 140, divide o recebimento do objeto em provisório e definitivo.
O objeto é recebido provisoriamente quando a posse do bem ou resultado do serviço é passada para a Administração. Imagine a entrega de material de papelaria ou de um projeto arquitetônico com assinatura do recibo ou ateste pelo responsável pelo seu recebimento. Nesta fase o particular ainda não está liberado das suas obrigações.
Em regra, quem faz esse recebimento provisório é o chamado fiscal do contrato, que é aquele servidor designado no contrato ou publicação posterior à sua assinatura para acompanhar a contratação. Sua previsão encontra-se no artigo 117 da Lei nº 14.133/2021:
Art. 117. A execução do contrato deverá ser acompanhada e fiscalizada por 1 (um) ou mais fiscais do contrato, representantes da Administração especialmente designados conforme requisitos estabelecidos no art. 7º desta Lei, ou pelos respectivos substitutos, permitida a contratação de terceiros para assisti-los e subsidiá-los com informações pertinentes a essa atribuição.
O recebimento provisório, pelo responsável por seu acompanhamento e fiscalização será:
- No caso de compras, realizado de forma sumária, com verificação posterior da conformidade do material com as exigências contratuais;
- Em se tratando de obras e serviços, mediante termo detalhado, quando verificado o cumprimento das exigências de caráter técnico;
Recebido o objeto provisoriamente, a Administração analisará o produto ou serviço entregue, examinando-o e até mesmo fazendo testes e avaliações.
2) Recebimento definitivo
O recebimento definitivo, por sua vez, será realizado por servidor ou comissão designada pela autoridade competente, mediante termo detalhado que comprove o atendimento das exigências contratuais. Tal servidor ou comissão deverá, assim como o fiscal que realiza o recebimento provisório, ter a qualificação profissional ou técnica necessária para conferência do objeto.
Note que no caso do recebimento definitivo exige-se termo detalhado tanto para contratos em geral quanto para obras e serviços de engenharia. No caso do recebimento provisório, o termo detalhado seria apenas para obras serviços de engenharia, ou seja, para compras, bastava a verificação sumária pelo fiscal.
3) Prazos e métodos para recebimento do objeto
A Lei nº 14.133/2021 determina no artigo 140, § 3º que “Os prazos e os métodos para a realização dos recebimentos provisório e definitivo serão definidos em regulamento ou no contrato”.
Vale citar três exemplos[1]:
- Uma secretaria adquire 100 computadores para modernizar seu sistema de gestão. No ato da entrega, um responsável confere se a quantidade e as especificações estão corretas, realizando o chamado recebimento provisório. Durante 30 dias, os equipamentos são testados, e caso não haja problemas, o setor responsável formaliza a aceitação final, que é o recebimento definitivo.
- Uma prefeitura contrata a construção de uma escola. Após a conclusão, uma equipe técnica realiza uma vistoria preliminar para verificar se a obra foi entregue conforme o contrato. É o chamado recebimento provisório. O prazo para essa verificação pode ser definido no contrato, por exemplo, até 15 dias após a comunicação da conclusão. Após o uso da estrutura e eventuais ajustes, ocorre uma nova vistoria para validar a conformidade total, que pode ter um prazo, por exemplo, de 90 dias após o receb provisório. É o chamado recebimento definitivo.
- Um órgão público contratou uma empresa terceirizada para serviços de limpeza. Ao final de cada mês, um fiscal do contrato verifica se os serviços foram prestados corretamente (quantidade de funcionários, qualidade da limpeza, insumos utilizados, etc.). Se estiver tudo conforme o contrato, é emitido um termo de recebimento provisório para autorizar o pagamento do mês. No término do contrato, como por exemplo de 12 meses, é feita uma avaliação completa do serviço prestado ao longo do período. Se todas as obrigações foram cumpridas, é emitido um termo de recebimento definitivo, encerrando a prestação do serviço.
É importante que ao definir o prazo para recebimento provisório e definitivo a Administração valha-se do princípio da razoabilidade, eis que determinar prazos longos para tais recebimentos pode fazer com que o pagamento ao contratado seja postergado além do prazo que o particular possa suportar, gerando afastamento de licitantes ou mesmo majoração do valor das propostas.
4) Custeio dos ensaios, testes e provas de qualidade
A Nova Lei de Licitações e Contratos traz ainda a disposição no §4º do artigo 140 no sentido de que “Salvo disposição em contrário constante do edital ou de ato normativo, os ensaios, os testes e as demais provas para aferição da boa execução do objeto do contrato exigidos por normas técnicas oficiais correrão por conta do contratado”.
Desta forma, as análises, testes, ensaios e outras provas de aferição da qualidade do objeto, realizadas após o recebimento provisório com vistas a promover o recebimento definitivo, devem ser custeadas pelo contratado, exceto se houver disposição editalícia em contrário, devidamente fundamentada no processo.
Vamos exemplificar[2]:
- Um hospital público adquiriu 100 monitores cardíacos para equipar suas unidades de emergência. O contrato, embasado em normas técnicas, exige que os monitores passem por testes de calibração e certificação para garantir que estão funcionando corretamente antes do recebimento definitivo. Se não houver disposição contrária no edital, a empresa fornecedora deve custear os testes de aferição dos equipamentos.
- A Administração Pública contratou a construção de uma ponte e exigiu testes para garantir a qualidade do concreto utilizado. A empresa contratada precisa realizar ensaios laboratoriais para testar a resistência do concreto, garantindo que ele atende às especificações técnicas do projeto.Salvo disposição em contrário no edital, os custos desses testes devem ser arcados pela própria empresa contratada.
- Uma empresa foi contratada para a pintura externa de um prédio público e a Administração exige um teste para comprovar a durabilidade da tinta utilizada. A contratada precisa enviar amostras da tinta para um laboratório especializado, que realizará testes de resistência a intempéries. Caso o edital não determine o contrário, a empresa contratada é quem paga pelos testes exigidos pelas normas técnicas.
Desta forma, o §4º do artigo 140 estabelece que o contratado deve arcar com os custos dos testes e ensaios exigidos para verificar a qualidade do objeto contratado. Porém, se o edital ou um regulamento estabelecer o contrário, a Administração pode assumir esses custos, sobretudo quando tiver expertise para realizar a análise técnica no caso concreto.
5) Responsabilidade do contratado após o recebimento definitivo
Em alguns casos, o defeito do objeto só pode ser observado com o tempo. Em tais situações, o particular continua sendo responsável pelo objeto. Neste sentido a Lei nº 14.133/2021 traz três dispositivos acerca do tema em seu artigo 140, §§ 2º, 5º e 6º:
Artigo 140. (…)
§ 2º O recebimento provisório ou definitivo não excluirá a responsabilidade civil pela solidez e pela segurança da obra ou serviço nem a responsabilidade ético-profissional pela perfeita execução do contrato, nos limites estabelecidos pela lei ou pelo contrato.
§ 5º Em se tratando de projeto de obra, o recebimento definitivo pela Administração não eximirá o projetista ou o consultor da responsabilidade objetiva por todos os danos causados por falha de projeto.
§ 6º Em se tratando de obra, o recebimento definitivo pela Administração não eximirá o contratado, pelo prazo mínimo de 5 (cinco) anos, admitida a previsão de prazo de garantia superior no edital e no contrato, da responsabilidade objetiva pela solidez e pela segurança dos materiais e dos serviços executados e pela funcionalidade da construção, da reforma, da recuperação ou da ampliação do bem imóvel, e, em caso de vício, defeito ou incorreção identificados, o contratado ficará responsável pela reparação, pela correção, pela reconstrução ou pela substituição necessárias.
Observe que o recebimento do objeto, provisório ou definitivo, não afasta as seguintes responsabilidades:
- responsabilidade civil pela solidez e segurança da obra ou serviço;
- responsabilidade ética profissional pela perfeita execução do contrato;
- responsabilidade objetiva do projetista, que é aquela que independe de culpa ou dolo, por danos causados por falha de projeto;
- responsabilidade objetiva para obras, pelo prazo mínimo de 5 anos, podendo o edital ou contrato trazer prazo maior, pela solidez e pela segurança dos materiais e dos serviços executados e pela funcionalidade da construção, da reforma, da recuperação ou da ampliação do bem imóvel. Em caso de vício, defeito ou incorreção identificados, o contratado ficará responsável pela reparação, pela correção, pela reconstrução ou pela substituição necessárias.
6. Pagamento e devolução da garantia
O edital e o contrato definirão a forma de recebimento do objeto, além da forma de pagamento e devolução da garantia. Isso porque são cláusulas essenciais ao contrato tais definições nos termos do artigo 92 da Lei nº 14.133/2021.
Embora o recebimento definitivo ocorra normalmente ao final do contrato, o contrato poderá prever recebimento de etapas ao longo da execução contratual, com o respectivo pagamento. Assim poderá ocorrer a chamada Medição, um procedimento de controle e acompanhamento do contrato, nas hipóteses em que o pagamento ao contratado é vinculado à execução de etapas ou prestações específicas[3].
Conforme Marçal Justen Filho[4] aponta, a medição configura uma etapa de fiscalização do contrato pela Administração e nos casos em que for prevista, o pagamento não será condicionado à conclusão integral e à entrega do objeto contratado.
Cabe, pois, ao edital, tratar do tema da medição, se aplicável, e do recebimento do objeto. Logo, com a leitura atenta do edital e seus anexos, o licitante terá acesso à informação acerca do momento e das condições de pagamento para cada contratação específica.
Dentre as condições, além da apresentação da Nota Fiscal podem ser exigidas por ocasião do pagamento, por exemplo, a atualização perante o Sistema de Cadastro de Fornecedores, entrega de documentação relativa à segurança e medicina do trabalho dos funcionários da empresa, se cabível, dentre outras.
Por fim, vale mencionar que conforme artigo 100 da Nova Lei de Licitações, “A garantia prestada pelo contratado será liberada ou restituída após a fiel execução do contrato ou após a sua extinção por culpa exclusiva da Administração e, quando em dinheiro, atualizada monetariamente”. Deste modo, a garantia do contrato será liberada tão somente após o encerramento do contrato, superadas as fases de recebimento provisório e definitivo.
[1] Exemplos fictícios, desenvolvidos via Chatgpt.
[2] Exemplos fictícios, desenvolvidos via Chatgpt.
[3] Justen Filho, Marçal. Comentários à Lei de Licitações e Contratações Administrativas: Lei 14.133/2021. São Paulo: Thomson Reuters Brasil, 2021, p.1234.
[4] ___________, p.1234.